Livro: Biografia Involuntária dos Amantes de João Tordo


Biografia Involuntária dos Amantes by João Tordo
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Duas das partes que mais me marcaram:


"Que é feito de ti?"
Encolhi os ombros. "Nunca mais me vi. Se me encontrares, avisa-me." 

"As pessoas perdem-se." 
"É verdade." 
Sorri. 
(Página 414)

"Existirá um momento que defina o resto da nossa vida?
É uma questão estúpida e dotada de um enorme grau de hipocrisia, uma vez que se esse momento existir - (...) - é tão inútil perguntar por essa ínfima possibilidade como rezar a Deus para que aconteça. Aqueles a quem a sorte bafejou têm mãos a ingrata tarefa de explicar aos outros que esses momentos existem apenas para os que nunca se perguntaram por eles, ou seja o contrário do que estou a fazer neste instante. E se assim for, anulamos a possibilidade de uma teologia e entregamos a nossa vida às mãos do acaso, do impensado; da volatilidade a que somos condenados a partir do momento em que nos encontramos, sem qualquer razão plausível, neste mundo. Se o acaso impera, então nascemos por acidente, sem que nenhuma entidade divina nos projectasse; na ausência dessa entidade, o tal momento definidor das nossas vidas não pode ser procurado ou salvaguardado numa oração. Ao mesmo tempo, não existe qualquer teologia que nos aquiete. A que existe repousa na redundância: Deus criou-nos somente para regressarmos a Ele. Garante-nos a vida, mas não nos garante mais nada. E a vida é, por definição, uma caminhada absurda cujo final é sempre idêntico. Por que razão não nos deixou Deus em paz, ou seja, inexistentes? Nesta lógica incongruente, o Criador coloca-nos neste mundo à mercê de tudo o que é terreno, suculento e carnal, desafia-nos a experimentar e, no final, tira-nos tudo aquilo que nos deu. Reféns da teologia, somos uma piada de mau gosto; reféns do acaso, somos vítimas da ínfima possibilidade. Nesta miséria a que estamos votados, sentimo-nos incompletos e assaz melancólicos. A essa melancolia chamamos vida adulta."
(Páginas 93 e 94)




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